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Alienação parental e o abuso da autoridade parental


Por Renata de Lima Rodrigues em 17/01/2013 | Direito de Família | Comentários: 0

Alienação parental e o abuso da autoridade parental

O fim de um casamento ou de uma união estável pode trazer situações extremamente difíceis para os filhos, principalmente quando permeado por um alto grau de litigiosidade. Nesse contexto, quando não há uma consciência dos pais de que aquilo que terminou foi a conjugalidade e não a parentalidade, os filhos podem ser colocados em risco, principalmente no que se refere à sua integridade psíquica.

As atitudes que visam um afastamento da criança do outro genitor pode se dar de inúmeras formas, tais como a manipulação da psique da criança ou do adolescente implantando falsas memórias, dificuldades à convivência familiar, etc., com o único fim de efetuar uma programação mental do menor para que ele repudie o outro genitor. Quando isso acontece, caracterizada está a alienação parental. Embora essa hipótese sempre existira, só foi identificada como tal a partir dos estudos do psiquiatra americano Richard Gardner, que a qualificou como uma síndrome, em razão da gravidade que pode assumir e dos danos que pode causar aos envolvidos – não obstante cada pessoa possa reagir de forma diversa de acordo com sua personalidade e experiência.

A alienação parental se concretiza por meio de um processo que visa modificar a consciência dos filhos, com o escopo de reduzir – ou mesmo eliminar – os vínculos afetivos dos menores com o outro genitor. Esses fatos ocorrem por meio do exercício do poder familiar, mormente pelo exercício dos deveres de criar e educar os filhos, vez que tais fatos propiciam a construção de uma relação de confiança entre pais e filhos. Portanto, pressupõe a utilização de artifícios que visem neutralizar o exercício da autoridade parental do genitor não guardião, ou daquele que tem menos influência sobre os filhos, principalmente no que se refere aos deveres de criação e educação – embora a obrigação alimentar continue hígida.

A atual novela da Globo, Salve Jorge, parece querer abordar o grave problema da alienação parental, utilizando o divórcio das personagens Antônia (Letícia Spiller) e Celso (Caco Ciocler) como pano de fundo. O ex-marido indignado com a traição e com o fim do casamento impedirá a convivência da ex-mulher com sua filha, Raíssa, utilizando-se, para tanto, de diversos artifícios tais como viagens, mudança e implantação de falsas memórias na mente da menina, para afastá-la de sua mãe. 

Alienação parental retratada na novela Salve Jorge da TV Globo

No contexto da realidade familiar brasileira contemporânea, de alto número de divórcios e dissoluções de união estável, multiplicam-se as possibilidades de se instalar a chamada alienação parental. Principalmente, porque em nosso sistema jurídico, subsiste o Princípio da Livre Desconstituição Familiar, que ficou ainda mais evidente a partir da Lei 11.441, que permite o divórcio e a separação extrajudicial, e da Emenda Constitucional nº 66, que eliminou o lapso temporal como requisito para concessão do divórcio.

Vivemos uma época marcada por um Direito de Família mínimo, no qual a família se constitucionaliza e, nesse passo, se transmuda, para deixar de ser um instituto centrado no casamento, formal e absolutizado, para se tornar um instrumento democrático de concretização da pluralidade, a partir da interpretação da própria principiologia constitucional que se mostra aberta a quaisquer projetos de vida marcados pela dignidade, solidariedade e afetividade1.

A privatização da família, caracterizada pela transferência do controle de sua (des)constituição e funcionamento do Estado para seus próprios membros, também operou a transferência de uma enorme carga de responsabilidade  aos indivíduos que a compõem – de modo que os pais devem ter responsabilidade para com seus filhos, de modo a evitar quaisquer tipos de danos aos mesmos, em face de sua vulnerabilidade. Logo, quando se fala em alienação parental, não se pode perder de vista que são os próprios pais – propositadamente ou não, pois aqui, o dolo não é um elemento juridicamente relevante – os geradores dos danos aos filhos.

Por isso, a responsabilidade que subjaz aos vínculos parentais em nada dialoga com o fenômeno alienação parental que experimentamos com frequência na contemporaneidade. Muito pelo contrário: a ética da responsabilidade familiar repudia os atos alienadores, pois, conquanto eles tenham por escopo atingir o outro genitor, são os filhos quem sofrem os maiores danos, situação inaceitável pelo ordenamento jurídico, vez que viola frontalmente os direitos fundamentais da população infanto-juvenil, previstos no art. 227 da Constituição Federal. Por isso, é preciso articular instrumentos para a prevenção e combate da alienação parental, a fim de preservar os “filhos do divórcio” desse terrível destino.

Os índices da prática de alienação parental atualmente são assustadores. Em razão disso, em 2010, foi editada a Lei 12.318, que prevê, exemplificativamente, atos alienadores e sua respectiva sanção, bem como alguns trâmites especiais afetos aos processos judiciais. Mas seria essa lei necessária? Fazemos essa pergunta, pois, em razão da Doutrina da Proteção Integral, do princípio do melhor interesse da criança, que influenciam o exercício do conjunto de poderes, direitos e deveres enfeixados pela autoridade parental, entendemos que seria perfeitamente factível a identificação e a sanção de práticas alienadoras, independentemente da existência da mencionada lei. 

Todavia, ainda vivemos em um país de cultura positivista, razão pela qual subsiste uma “sensação” de que a existência de uma lei tratando sobre esse fenômeno traria maior segurança jurídica ao aplicador e à sociedade, na medida em que, diante da existência de regras expressas tipificando tais condutas como comportamentos ilícitos, e, consequentemente, prevendo sanções correspondentes, passa-se a experimentar uma suposta certeza na identificação e punição de tais atos, inclusive, coibindo sua prática reincidente, como uma espécie de função pedagógica ou psicológica da lei. Apesar de a edição da Lei fomentar o debate e publicizar, de certa maneira, a relevância do combate à alienação parental, como medida de proteção e tutela prioritária da criança e do adolescente, não há que se olvidar que, mesmo antes da lei, nosso sistema jurídico já dispunha de instrumentos suficientes para sancionar atos de alienação parental, que abrangiam desde a previsão do abuso de direito como ato ilícito funcional até medidas mais gravosas como a suspensão e destituição da autoridade parental.

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1 Sobre o tema, seja consentido remeter ao nosso: RODRIGUES, Renata de Lima; TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. A tensão entre ordem pública e autonomia privada no direito de família contemporâneo: da não intervenção do Estado n (des)constituição familiar e na comunhão de vida. In: _________. O Direito das Famílias entre a norma e a realidade. São Paulo: Atlas, 2010, p. 89-115.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Ibijus


Sobre o autor

Renata de Lima Rodrigues

Doutoranda em Direito Privado e Mestre em Direito Privado pela Pontifícia Uiversidade católica de Minas Gerais - PUC/Minas (2007), Especialista em Direito Civil pelo IEC-PUC/Minas (2004), Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (2001). Professora de Direito Civil em cursos de graduação, pós-graduação e cursos preparatórios para concursos em Belo Horizonte, com ênfase nas disciplinas Fundamentos constitucionais do Direito Privado, Teoria Geral do Direito Privado, Direito das Famílias, Direito das Sucessões e Biodireito. Pesquisadora atuante em grupos de pesquisa na PUC/Minas sob a orientação da Profª Marinella Machado Araújo. Membro do NUJUP/OPUR. Membro do IBDFAM. Advogada


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